terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Arcanjo Miguel












Arcanjo Miguel (por Guido Reni).

Miguel Arcanjo, cujo nome significa "quem é como Deus", é considerado o chefe dos exércitos celestiais e o padroeiro da Igreja Católica. É o anjo do arrependimento e da justiça. É comemorado pela Igreja Católica, sob o nome de São Miguel Arcanjo em 29 de setembro.

Perspectivas Bíblicas
O nome Miguel é escassamente referido na Bíblia, o que é considerado por alguns como uma revelação de discrição ou importância relativa que envolve esta sua figura. Assim, temos:
Livro de Daniel* Referido duas vezes no capítulo 10: "Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu vinte e um dias, e eis que Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu fiquei ali com os reis da Pérsia." e "Mas eu te declararei o que está registrado na escritura da verdade; e ninguém há que me anime contra aqueles, senão Miguel, vosso príncipe."

Os estudiosos dividem-se acerca destas duas passagens: alguns crêem ver neste Miguel, o Arcanjo; a maioria, porém, acredita que nestes versículos, Miguel é apenas uma figura que, de acordo com a crítica bíblica, é provinda da mitologia Persa com a qual o povo Hebreu contactou aquando do seu Exílio na Babilónia e não identificável com o Anjo com o mesmo nome;
* Primeiro no capítulo 12 do livro de Daniel: "Ao final dos tempos aparecerá Miguel, o grande Príncipe que defende os filhos do povo de Deus. E então os mortos ressuscitarão. Os que fizeram o bem, para a Vida Eterna, e os que fizeram o mal, para o horror eterno";[1]

Livro da Revelação
* No capítulo 12 do Livro da Revelação (ou Apocalipse): "Houve uma grande batalha no céu. Miguel e seus anjos lutaram contra dragão e suas legiões, que foram derrotadas, e não houve lugar para eles no céu. Foi precipitada a antiga serpente, o diabo, o sedutor do mundo. Ai da terra e do mar, porque o demônio desceu a vós com grande ira, sabendo que lhe resta pouco tempo".

Carta de Judas
* Na carta de Judas, o texto refere: "O Arcanjo Miguel, quando enfrentou o diabo, disse: "Que o Senhor o condene". Nesta passagem, alguns entendem que não é atribuída a Miguel a faculdade de juíz escatológico, reservada a Deus e ao seu Messias, na medida em que ele entrega o Diabo ao juízo de Deus. Outros, porém, argumentam que se trata do Filho de Deus antes de lhe ser dada autoridade régia, visto que esta passagem relembra um acontecimento muito anterior à época em que Jesus veio à Terra e foi posteriormente ressuscitado.

Nos apócrifos
No livro de Enoque ele é designado como o príncipe de Israel. No livro dos Jubileus, ele é retratado como o anjo que instruiu Moisés na Torá. Nos Manuscritos do Mar Morto é retratado lutando contra Beliel.

Definição na Igreja Católica e no Protestantismo
O Catolicismo, nas suas vertentes "Ortodoxa" e "Romana", mantém uma considerável devoção por São Miguel Arcanjo, especialmente demonstrada nas situações em que são efectuados pedidos de livramento dos seus fiéis contra ciladas do demônio e dos espíritos maléficos. Acredita ainda que, durante as orações, e quando o nome do arcanjo é invocado, este defenderá os crentes, com o grande poder que Deus lhe concedeu, protegendo-os contra os perigos, as forças do mal e os inimigos.

Outras Perspectivas Religiosas
Miguel como Jesus
As igrejas cristãs trinitárias, consideram que, pelo facto de Miguel ser chamado de arcanjo, identificá-lo como o Filho de Deus rebaixa, de algum modo, a dignidade ou o posto de Jesus. Assim, rejeitando que ambos possam ser a mesma pessoa, apresentam como argumentos as seguintes premissas:
* Jesus é criador (João 1:3); Miguel é criatura (Colossensses 1:16)* Jesus é Adorado por Miguel (Hebreus 1:6), Miguel não pode ser adorado (Apocalipse ou Revelação 22:8-9)* Jesus é o Senhor dos Senhores (Apocalipse ou Revelação 17:14); Miguel é príncipe(Daniel 10:13)* Jesus é Rei dos Reis (Apocalipse ou Revelação 17:14); Miguel é príncipe dos Judeus (Daniel 12:1)
No entanto, algumas denominações religiosas identificam Miguel como sendo o próprio Jesus Cristo ou como uma representação dele. O raciocínio que os leva a crer que Miguel é apenas um outro nome para Jesus Cristo, baseia-se nas seguintes premissas:

Arcanjo
Na carta de Judas, no versículo 9, Miguel é designado como "o arcanjo" termo que significa "anjo principal". Esta é a única ocorrência bíblica de alguém ser chamado de "o arcanjo" o que, segundo alguns, sugere que existe apenas um anjo assim. De facto, a palavra "arcanjo" ocorre na Bíblia apenas no singular, nunca no plural. Além disto, o cargo de arcanjo se relaciona com Jesus. Sobre o ressuscitado Senhor Jesus Cristo, 1 Tessalonicenses 4:16 diz: "Porque o mesmo Senhor descerá do céu, com alarido e com voz de arcanjo." (Tradução J. F. Almeida) A voz de Jesus é descrita aqui como sendo a de arcanjo. Portanto, para alguns, esse texto indica que o próprio Jesus é o arcanjo Miguel.

Líder Militar
Segundo os textos bíblicos, Miguel e seus anjos batalharam contra o dragão e seus anjos. (Revelação ou Apocalipse 12:7), de modo que Miguel é descrito ali como o líder de um exército de anjos fiéis. O mesmo livro também se refere a Jesus como líder de um exército de anjos fiéis, no capítulo 19, versículos 14 a 16, sendo que o apóstolo Paulo menciona especificamente o "Senhor Jesus" e os "seus anjos poderosos" (2 Tessalonicenses 1:7), pelo que é possível concluír que, na Bíblia, existem referências tanto de Miguel e "seus anjos" como de Jesus e "seus anjos". (Mateus 13:41; 16:27; 24:31; 1 Pedro 3:22)
No entanto, e uma vez que nos textos bíblicos em nenhuma parte é indicada a existência de dois exércitos de anjos fiéis no céu, um comandado por Miguel e outro por Jesus, existem observadores que sugerem a conclusão de que Miguel não é outro senão o próprio Jesus Cristo na sua posição celestial.

Com base nestes argumentos algumas denominações cristãs desenvolveram as seguintes doutrinas:
* As Testemunhas de Jeová acreditam que Jesus e Miguel são a mesma pessoa, a primeira a ser criada directa e exclusivamente por Deus. Crêem que o nome Jesus foi usado na terra por aquele que já existia no céu na posição de Arcanjo, sendo que nesta posição celestial gloriosa teria o nome de Miguel.
* Os adventistas crêem também que Miguel é Jesus, porém Ellen Gould White cria na doutrina trinitariana. Alguns críticos das Testemunhas de Jeová crêem que este conceito adventista influenciou a Charles Taze Russell.
* Muitos outros téologos protestantes também ensinavam que Miguel é Jesus, porém viam-no como o eterno e divino Filho, muito mais do que um simples anjo. No início do Século XIX, o erudito bíblico Joseph Benson declarou que a descrição de Miguel, conforme encontrada na Bíblia, "evidentemente indica o Messias". E. W. Hengstenberg, luterano do Século XIX, concordou que "Miguel não é outro senão Cristo". De modo similar, o teólogo J. P. Lange, comentando Revelação 12:7, escreveu: "Entendemos que Miguel, desde o começo, seja Cristo em traje guerreiro contra Satanás." Também Spurgeon e John Gill ensinaram essa interpretação.
Perspectiva histórica desta interpretação
Histórica e cronologicamente falando estas teses interpretativas dos textos bíblicos referidos acima remontam ao século IV quando foram propostas e defendidas, quase com as mesmas argumentações, na exposição cristológica de alguns discípulos e adeptos do presbítero alexandrino Ário.
Tal como se pode ver na célebre carta de Narciso de Neroníades, discípulo de Ário, comentando a maior obra de Ário - “Thalia” -, a Eusébio de Nicomédia - bispo da capital imperial e amigo de Constantino I -, as mesmas linhas argumentativas, acima aduzidas, são apresentadas para conciliarem as suas peculiares leituras bíblicas com as filosofias helenistas presentes no horizonte cultural do seu tempo (esta obra está citada e comentada, com a apresentação das contra-argumentações abaixo sintetizadas em H. G. Optiz – “Athanasius Werke, III, 1: Urkunden zur Geschichte der arianischen Streits”, Berlim). A mesma tese surge numa outra carta, agora de Eusébio de Nicomédia a Paulino de Tiro (citada e comentada com as contra-argumentações dos teólogos de então em F. Paschke - “Überlieferungsgeschichtliche Untersuchungen”, Berlim)
Na ocasião as contra-argumentações que foram apresentadas para desmontar, e demonstrar a insustentabilidade, das teses dos filo-arianos, embora possam parecer aos olhos de hoje muito simples, não destoam da pouca profundidade crítica e teológica daquelas que lhes deram origem: além de uma clara rejeição de toda a angeolatria (Colossenses 2:18; Hebreus 1:14; 2:5; Apocalipse 19:10) como contrária a toda a revelação bíblica, estrutura-se, a referida crítica, em redor da contextualização da citação de Judas 1:9, a qual é uma citação do livro apócrifo - não inspirado nem canónico - da “Assunção de Moisés” que, por sinal, refere-se a três (eventualmente quatro: Gabriel, Miguel, Rafael e Satã arcanjos donde Miguel não seria o único arcanjo, pelo que a expressão “? a??a??e???” - num facto corroborado pela construção sintáxica do texto original do citado livro apócrifo -, nunca poderia ser um oposto a “???a??”. Referem-se, ainda, ao facto de não obstante somente no livro de Naum se dizer que é um livro de dado profeta ("sëper Házôn naHûm") não se poder, daí, «concluir que os restantes textos proféticos não sejam também livros proféticos» (página 284).

A respeito da tentativa de identificar Jesus com Miguel, por referência às citações comuns a ambos de comandarem legiões celestes (Mateus 13:41; 16:27; 24:31; 1 Pedro 3:22), citam uma carta do próprio Ário que fala dos “presbíteros de Prólico (seu superior monástico)” e dos “presbíteros de Alexandre (seu bispo)” para mostrarem que não é pelo facto de nas duas únicas referências a “presbíteros de” se referirem a Prólico e a Alexandre que se pode identificar Alexandre com Prólico, pois «“os presbíteros” daquele são mais do que os deste, sem que passem a constituir dois corpos presbiterais, antes estando o de Prolico inserido no de Alexandre» (página 323). Analogamente, dizem os detractores clássicos da antiguidade acerca da tese da identificação de Miguel com Jesus, as "legiões de Cristo" são maiores do que as de Miguel, pois somente, ainda segundo o livro do Apocalipse e a carta de Judas, Miguel não assumiu o papel de juiz escatológico, deixando-o para Jesus Cristo, pois «apesar de votar Satã ao degredo, não o julga nem acusa nem condena» (página 316).
Por sinal, nesta carta, não é citada a passagem de Tessalonicenses, mas na contra-argumentação geral, aduz-se que “e?” mais dativo não é neste contexto construção modal (“com voz de…”), mas temporal (“à - quando se fizer ouvir a - voz de…”) tal como em 1 Tessalonicenses 5:2 (Nota: as teses e contra-teses aqui apresentadas estão nas duas obras acima referidas).
Estas perspectivas dos críticos de Narciso e de Eusébio de Nicomédia são retomadas, por sinal, num dos maiores expoentes da literatura inglesa: O Paraíso Perdido de John Milton, no qual, é somente após a intervenção de Cristo com as suas legiões de anjos que o combate iniciado pelo arcanjo Miguel se decide para o lado de Deus (canto VI).

O anjo Miguel nos manuscritos do Mar Morto
Desde a publicação, em 1991, da quase totalidade dos textos descobertos no deserto da Judeia - comummente conhecidos como os manuscritos do Mar Morto - que o estudo acerca da angeologia judaica sectária e extra-biblica teve um grande desenvolvimento.
Nestes textos - numa perspectiva que viria a ser recuperada pelos movimentos gnósticos do século I - Miguel é apresentado como a figura celestial de Melquisedeque exaltado, elevado aos céus. É - ver 11Q13 - analogicamente referido como o "princípe da luz" que dará combate ao "principe das trevas" - Satã, Belial ou Melkireshah (o príncipe das profundezas da Terra) - aquando da grande batalha celeste que antecederá o fim dos tempos e a nova vinda do fundador da comunidade essênia, o "Mestre da Justiça", como messias escatológico.
Neste contexto, de facto, e numa descrição profundamente âmbivalente, em 4Q529 e 6Q23 o triunfo definitivo da paz não lhe é atribuido - veja-se o texto Bíblico de Judas 1:9 onde Miguel recusa a função de juíz escatológico: «Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: "O Senhor te repreenda"» - mas apenas é o seu arqui-estratega. Miguel recusa inclusive o título de "Senhor" e de "Salvador", ao mesmo tempo que - segundo 4Q246 - aguarda que, tal como o seu modelo histórico apresentado neste texto, Antíoco Epifânio, se possa autoproclamar "um deus" e ser adorado como deus, tal como aquele em Daniel 11, 36-37.
Finalmente, e para se concluir esta breve descrição de Miguel/Melquisede segundo os manuscritos do Mar Morto, Miguel é mesmo apresentado - na linha de interpretação que o vê como o grande usurpador do senhorio de Deus e que será retomada, com algumas matizes, por movimentos para-cristãos nascidos no século XIX - a louvar o malquisto rei Sedecias - veja-se 2Reis 24,19 -, prometendo-lhe, inclusive, uma aliança para que este leve a bom termo os seus planos malévolos.
Em síntese, vê-se que a angeologia apresentada por estes textos não é homogénea, mas aduz um grande leque de orientações desde as menos negativas - as que consideram Miguel como Melquisedeque exaltado, mas com desejos de ser adorado - até às profundamente negativas - as que o concebem como próximo do malévolo rei Sedecias -. Nos primeiros séculos da era comum, como se apresenta abaixo neste artigo, esta literatura teve muita influência em círculos gnósticos vindos do helenismo platonizado na medida em que a sua falta de clareza e a âmbiguidade exotérica - quase a roçar o paganismo (de facto jamais tais perspectica poderiam ser tidas como inspiradas - quer pelo judaísmo, quer pelo cristianismo) - serviu plenamente os seus intuitos de estabelecerem pontes de contacto com o crescente influxo cultural do cristianismo e, assim, não perderem a sua importância religiosa.

Perspectivas mitológicas
De acordo com alguma angeologia inter-testamentária heterodoxa ("Revelação de Satanás" e "Ascenção de Melquisedec"), retomada posteriormente por cristão gnósticos - que não admitiam que Deus pudesse na verdade ter tocado, andado e vivido num mundo que consideravam perverso e diabólico - e cultos pagãos mistéricos da bacia do Mediterrâneo Oriental - que se serviram desta figura que tão poucas vezes aparece nomeada na Bíblia para estabelecerem pontes com cristãos menos formados -, o Anjo Miguel - "malach Micha'el" - ou o Justo Miguel - "sedek Micha'el" -; não era senão Melquisedeque "Mal'ch sedek" exaltado, glorificado, não sendo, pois, identificável como uma criatura primogénita.
Para estes movimentos que orbitavam o cristianismo primitivo, profundamente influênciados pela corrente filosófica do platonismo - que concebia a sua cosmologia como uma contínua estratificação de seres intermédios entre um demiurgo impotente e indiferente para com a humanidade e a sua criação - "sedek Micha'el" seria a figura do justo por excelência, aquele que, segundo Platão, morreria crucificado.
Misturando esta convicção filosófica com correntes cristãs heterodoxas, passaram a acreditar que, quem morrera na cruz, sob Pôncio Pilatos, afinal não fora senão Melquisedeque sob a aparencia de Jesus de Nazaré que, na verdade, segundo estes, jamais existira. Para estes "sedek Micha'el", enquanto andou sobre a Terra debaixo da aparência de Jesus de Nazaré, jamais fora verdadeiramente homem, rejeitando terminantemente que ele tivesse tido a necessidade de comer, beber, dormir, expressar emoções ou realizar necessidades fisiológias pois, se assim não fosse, não teria podido ser um anjo, isto é, um ser puramente espiritual.
Estas convicções, imensamente influênciadas pelas angeologias pagãs e exotéricas que pululavam no Mediterrâneo Oriental, são hoje totalmente tidas como miticas e desprovidas de qualquer valor histórico, embora continuem a formar o pano de fundo para muitas correntes religiosas que tiveram o seu impulso inicial em William Miller. Independentemente da história que rodeia esta figura - e de toda a polémica que surgiu em redor do grande desapontamento acerca do dia que o mesmo previu ser o da vinda definitiva de Jesus/Melquisedeque, com a posterior criação de inumeras teorias da conspiração que geraram uma história, uma politica e uma sociologia paralela e alternativa - a verdade é que a sua impar capacidade de reler estas tradições para o seu tempo, marcaram profundamente milhares de pessoas que, descontente com a realidade e incapazes de viverem nela, nas suas perspectivas miticas e neo-pagãs - num verdadeiro "proto-New Age", ou "New Age avant la lettre" -, misturadas com um cristianismo débil que conheceiam e apreenderam, encontraram uma nova "fuga mundi" escapista.

www.saberweb.com.br/religiao/miguel.htm

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